27 setembro 2006

Ser ou não ser:
Eis a Utopia (I)

Acordei.
Acordei para um mundo que não é o meu. Um mundo diferente. Um mundo baço, sem brilho. Apenas um reluzir precipitado. Um reluzir diferente. Um reluzir baço, sem brilho próprio. Apenas um brilho exasperado, de quem depende dele para se sentir alguém. Injustamente. Injustamente consciente que se encontra num mundo que não é o seu.

(...)

“Sinto realmente que não pertenço aqui.”

Ao olhar pela janela, foi o primeiro pensamento que me ocorreu.

“Qual é, afinal de contas, a razão de ser, a lógica disto tudo?”

Deveríamos nós ter como marca final, a intenção de tornar o mundo, o nosso mundo, num mundo melhor? Na verdade, nunca me dei ao trabalho de pensar verdadeiramente sobre esse assunto. Talvez por não me importar, talvez por achar que nada do que possa fazer vá alterar o rumo das coisas.
Sim. Quem sabe não é realmente esse o motivo da inércia humana.

Chego à conclusão de que somos realmente indiferentes.

Quantos de nós seriam capazes de arriscar o seu bem-estar em prol do bem-estar alheio? Não muitos, de certo. É por isso que penso que o mundo é realmente injusto. Terão esses homens e mulheres que fazem da sua vida a defesa diária do mundo a recompensa merecida? Esperarão eles uma recompensa? De facto, é provável que não.
Se o seu objectivo fosse obter uma recompensa, não teriam de arriscar a vida para tal.

Um ou dois elogios na hora e à pessoa certa e a lei da graxa está ao rubro.

Por isso mesmo, a única atitude que pode verdadeiramente ter a real recompensa é, indiscutivelmente, assumirmo-nos como sendo quem somos, e não quem queremos ser. Pelo menos brinda-nos a satisfação pessoal. Já é muito.
Suficiente? Não. Queremos mais, sempre mais.
Satisfação pessoal? Algo suprimível. Quem quer saber se é quem é quando tem um jacto na garagem? A satisfação não nos leva a lado nenhum.
Pelo menos não onde um bom carro nos pode levar. Um bom carro, um bom fato, uma boa gravata, um bom telemóvel (para não referir a tão badalada boa aparência) podem abrir muitas portas. Mesmo que se viva numa barraca.

É natural que assim seja. Se temos de contratar um funcionário para receber os nossos clientes, que nos importa? Os clientes não podem ver o sítio onde moram.
O que importa, o que realmente importa é o que os olhos podem contemplar.
Até mesmo a competência surge do nada quando somos atendidos por um indivíduo simpático, atraente e bem vestido. “Que competente!” dizemos com alegria.
Não que a competência não possa surgir de alguém que não habite um bairro chique na Foz.

Não. Definitivamente não.

A questão é tão simples que pode por vezes ser pouco explícita. O mais competente dos trabalhadores pode desempenhar as suas funções como nenhum outro.
Mas nunca mal vestido.
Deveria então ter mencionado que a competência desvanece quando somos atendidos por um indivíduo mal vestido? Provavelmente.O que nos leva a mais uma das inúmeras correntes do nosso indecifrável mundo. O preconceito. Na centrifugadora em que vivemos, não existe preconceito. Obviamente. “Preconceituoso? Eu? Nem pensar!” pelo menos até a diferença chicotear a ignorância das nossas mentes.
A equação preconceito=ignorância é tão mais verdadeira quanto maior for a incapacidade de a admitir.

1 comentário:

  1. Tens alguma razão. Mas como diz o teu pai (e já o diz há muito tempo) "quem não vive para servir, não serve para viver".
    Dizes bem: "A equação preconceito=ignorância é tão mais verdadeira quanto maior for a incapacidade de a admitir".
    Mas sabes porque hoje luto? Sabes com certeza. E não vale a pena voltar a citar o teu pai.

    Abraço do

    A. Sakala

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